A Serra de SC e o raro vinho do gelo no Pericó

Globo Repórter - Edição do dia 24/08/2012

24/08/2012 23h05 - Atualizado em 24/08/2012 23h29

Raro vinho do gelo está sendo produzido em terras brasileiras

O frio também é um aliado precioso para a conservação e a boa evolução do vinho. Ele fica em ambientes de pouca luz e temperatura média de 14°C.

“Ela é parte da paisagem desde o tempo dos dinossauros. Difícil imaginar os campos e os vales das regiões mais frias do país sem a imponente araucária.

No século passado, a exploração sem limites da madeira da araucária quase levou a espécie à extinção. Agora, ela é protegida por lei e também pelos agricultores que encontraram na semente dele uma boa fonte de renda.

É o caso de Edu Vieira de Melo, seu Duca, que vive em um sítio na serra catarinense. Todo ano, quando chega o frio, ele vira alpinista de araucárias.

Definitivamente, não é trabalho para amador. Num piscar de olhos Duca está lá, a dez metros de altura.

“Eu fiquei arrepiado só de ver o senhor de pé descalço subindo na árvore”, disse o repórter Ricardo Von Dorff.

“É frio. Mas vai do costume da gente, do trabalho aqui que a gente faz. A gente não sente mais frio no pé“, respondeu seu Duca.

É hora do jogo. As pinhas são como bolas de bilhar e seu Duca é mestre na arte de derrubá-las.

“A gente pega a vara e cutuca a sinuca, cai a bola”, brinca seu Duca.

Depois da colheita é hora de espantar o frio e se deliciar. Pinhões assados na fogueira. É a sapecada, receita campeira, típica do sul nesta época de frio. Dá trabalho para descascar.

Se a araucária é nativa, a macieira foi trazida de outras terras, distantes e frias.

Você talvez nem se lembre, mas até a década de 1970, as únicas maçãs que chegavam a sua mesa vinham da Argentina. Neste período de 40 anos, o Brasil passou de importador para exportador, desde que alguns pioneiros apostaram que o frio do Sul poderia render bons frutos.

Foi com esse sonho que Fumio Hiragami, fruticultor, veio parar na gelada São Joaquim, junto com outras famílias de imigrantes japoneses.

“Este clima Deus que fez assim. Não é qualquer lugar que tem. Santa Catarina também. É único aqui na região serrana que faz frio então nós temos que aproveitar este potencialidade do clima”, disse seu Hiragami.

Tamanho, cor, doçura. Tudo o que faz uma maçã atraente aos olhos e ao paladar depende do frio.

Em parceria com frio, seu Hiragami é hoje o maior produtor de maçãs do país. Um gosto doce para o menino que precisou deixar o Japão para fugir da miséria.

Se o frio ajuda a produzir as melhores maçãs do Brasil, os pesquisadores começaram a se perguntar se as baixas temperaturas também seriam boas para o cultivo de outro tipo de fruta. Os experimentos começaram há cerca de 20 anos e hoje vinhedos como este são cada vez mais comuns na paisagem da Serra Catarinense.

Tão comuns que já viraram poleiros de curucacas, aves típicas da região, que preguiçosamente, se aquecem no sol da manhã.

O trabalho duro é do homem. Pensa que é fácil produzir vinho no solo mais gelado do país, onde as temperaturas do inverno vão até o fim da primavera?

“Pra produzir o pinot noir, em virtude do frio aqui da serra aqui da região de altitude catarinense nós temos que colocar carvão, acender um montinho de carvão a cada 4 metros. Como se fosse fazer um churrasco campeiro, então esquenta o ar nesta baixada. Cria um microclima . A geada não atinge as inflorescências e as brotações, e a gente consegue produzir o vinho”, explicou Jefferson Sancineto Nunes, enólogo.

Mas o clima que castiga também ajuda a produzir uvas com características especiais. Graças às baixas temperaturas, um tipo de fungo, que poderia ser uma praga, lá é uma bênção.

Você já ouviu falar em vinho do gelo? Pois até hoje ele só foi produzido no Brasil em um vinhedo de 18 hectares na região do Vale do Pericó, em São Joaquim. O Jefferson é enólogo e vai nos explicar porque é tão difícil produzir o vinho do gelo.

“Porque nós dependemos 100% do clima, das condições climáticas. Nós temos que ter uvas sadias no final do outono, no final junho e as temperaturas precisam chegar abaixo, no mínimo a menos -6°C pra que as uvas congelem no vinhedo e nós ainda por cima temos que colher apenas durante a madrugada, antes que o sol nasça”, detalhou Jefferson.

Em quatro anos, a natureza só permitiu a produção de 3333 garrafinhas de vinho do gelo.

O frio também é um aliado precioso para a conservação e a boa evolução do vinho. Ele fica em ambientes de pouca luz e temperatura média de 14°C. Aliás a temperatura não deve variar muito na hora que a gente estoca o vinho. Em algum outro lugar do Brasil é possível conservar o vinho em temperaturas tão baixas?

“Temperaturas baixas normalmente conseguidas não. Vinhos que se conheciam no Brasil e que duravam um ou dois anos, agora com essas características, com esta inovação de região, eles podem até durar quatro ou cinco anos”, explicou o enólogo Orgalindo Bettú.

Além disso, as baixas temperaturas dão aos chamados vinhos de altitude características únicas, como aromas e cores mais intensos. É com frio, ciência e paciência que os vinhos de altitude do Brasil querem ganhar o mundo.”

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